Homem que ficou perdido por 7 dias na Chapada dos Veadeiros conta como sobreviveu
Catorze quilos mais magro, o engenheiro floresta Francisco Vasconcelos Menescal ainda tenta se recuperar e faz planos de voltar ao local onde se perdeu na Chapada dos Veadeiros
Todo mundo o chama de Kico. Ele já morou mais de 20 anos nos Estados Unidos e viajar é sua paixão desde criança. O pai do engenheiro florestal Francisco Vasconcelos Menescal, 53 anos, costumava colocar os 10 filhos em uma Kombi e percorrer o Brasil todo. Foi nessa época que o desejo surgiu. Anos depois, Kico trabalhou em uma companhia aérea e pôde conhecer o Egito, Israel e quase toda a Europa, por exemplo. Nos últimos anos, retornou para Brasília e passou a buscar nas cachoeiras e nas áreas verdes do cerrado um pouco de calmaria. No entanto, na última experiência, viveu momentos de angústia. “Pensava que ia morrer”, descreveu o engenheiro. Pela primeira vez, Francisco conta à imprensa o que ocorreu no feriado de 1º de maio.
Naquela data, Kico decidiu ir a uma região conhecida como Bocaina do Farias, na Chapada dos Veadeiros. Sem avisar a amigos ou a familiares, apenas comentou com uma sobrinha que estava olhando lugares naquela área para passar por alguns dias. Francisco preparou os itens de acampamento e seguiu em direção a mais uma viagem. Na quinta-feira, 30 de abril, ele dormiu em uma pousada em São João da Aliança (GO) e pegou, com o guia do local, todas as referências para chegar ao cânion. “Ele (guia) tinha ido lá uma semana antes. E me explicou que era uma descida complicada, porque a mata crescia e fechava. Além de ter muitas pedras. Mas tirei umas fotos do Google Earth no meu celular e fiz os desenhos do caminho”, relembra. No dia seguinte, almoçou na hospedaria um prato de carne seca com abóbora e pegou a moto rumo à aventura.
A ideia original era acampar três dias e depois retornar para Brasília. Após quatro horas de trilha, no entanto, as coisas começaram a fugir do planejado. Francisco se sentiu indisposto, vomitou muito e, em seguida, a moto ficou presa no mato. Quando desceu para tentar retirar a motocicleta, percebeu que estava diante de um precipício. “A minha sorte foi a moto ter ficado presa. Se não fosse isso, tinha caído direto”, relembra. Como já estava tarde, o engenheiro optou por armar a barraca ali mesmo até que pudesse voltar e encontrar o cânion. Comeu um pouco e foi dormir.
No dia seguinte, foram mais duas horas até chegar ao rancho indicado pelo guia. A casa estava vazia. Ali, Francisco passou o sábado e o domingo. “Foi uma maravilha. Ver o sol batendo no cânion parecia que Deus estava falando comigo”, descreve. No último dia, depois de fazer um churrasco, pegou a moto para voltar à pousada em São João da Aliança (GO). Na casa, deixou os alimentos e os pertences mais pesados. Com ele, levou apenas o kit energia de trilha — bala de coco, paçoca diet e chocolate amargo, além de água. As guloseimas ajudam Francisco, principalmente porque ele é diabético e precisa ficar de olho no açúcar.
Começam os problemas
Mas, além da trilha naturalmente difícil, no dia anterior, havia chovido e tudo estava tomado pela lama. “Comecei a forçar muito a moto. Caí umas 10 vezes. Além disso, comecei a sentir fadiga e a vomitar muito. Cheguei a um ponto que não conseguia segurar mais a moto. Dava intervalos para descansar”, diz. No domingo, às 17h, sem conseguir sair da trilha, Francisco decidiu acampar mais uma vez. “Ali, pensei que talvez tivesse que ficar até alguém me achar.” Kico sabia que não estava longe da saída da trilha, mas não tinha forças para seguir. Tudo o que tentava comer ou beber, vomitava.
Na segunda-feira, sem a moto, que estava quebrada, o engenheiro seguiu, andando, o som de uma cachoeira. Tomou um banho para ver se melhorava. Quando saiu, notou um arame farpado no chão. Decidiu, então, seguir aquele caminho. Francisco chegou a um segundo rancho abandonado. “Este estava abandonado mesmo. Nas paredes, tinha escrito ‘Propriedade do senhor Davi, advogado, não vendo de jeito nenhum’. Tinham alguns travesseiros com traças e uns cobertores”, descreve. Ao perceber que a energia estava acabando e o corpo não respondia mais, Kico voltou até uma parte da trilha, montou a barraca, colocou uma lona amarela para chamar a atenção e deixou um bilhete pedindo ajuda e avisando que estava na casa. No chão, fez umas setas de madeira indicando o caminho.
As coisas pioram
“Não dormia desde domingo. Nesse rancho, tinha um casal de morcegos. Não preguei o olho. Não comi nada, nem segunda nem terça, não conseguia”, diz Kico. Na quarta, arrastando-se, Francisco encontrou um pacote de feijão, velas, fósforos e muletas. Com elas, foi até um córrego próximo pegar água. “Demorei horas para ir e voltar”, relembra. “Tudo o que precisava para sobreviver estava dentro da casa. Com a água, cozinhei o feijão e, para ter um pouco de sal, coloquei soro fisiológico que tinha levado, por conta da lente. Consegui digerir um pouco. Mas ainda não estava bem.”
A quinta-feira foi o pior dia. Ao abrir os olhos, ele não sentia nada e não conseguia levantar. Para comer, ia se arrastando. “Comecei a ter alucinações e ouvir vozes. Passou um flashback da minha vida. Ao mesmo tempo, o que me dava força para não fechar os olhos era perceber que tudo parecia ter sido providenciado”, conta. Na sexta-feira, um barulho de conversa o acordou. “Achei que estava no além”, recorda-se. Mas, ao notar que desta vez a voz era de uma mulher, o engenheiro percebeu que tinha algo diferente. “Consegui dar duas pauladas em uma estrutura metálica até chamar a atenção deles. Foi quando a equipe do Corpo de Bombeiros ouviu e me encontrou. Naquele momento, chorei muito. Era uma mistura de alegria com desespero”, conta Francisco.
Final feliz
Uma das irmãs de Kico foi quem descobriu que ele tinha ido àquela região, após olhar o registro de pesquisa no computador do engenheiro. A mobilização para encontrá-lo começou na quarta-feira. Os familiares foram até Cavalcante (GO) com fotos de Francisco. “Vacilei por não ter avisado a ninguém e não ter levado os medicamentos.” O engenheiro perdeu 14kg e está em acompanhamento nutricional. Apesar da experiência, Kico quer voltar ao local para admirar a paisagem e fazer as fotos que perdeu. “Muita coisa mudou na minha vida. Primeiro, a minha experiência em relação à fé. Segundo, que preciso rever minhas prioridades, principalmente com relação à minha família”, conclui.
Agora, o engenheiro planeja viajar aos Estados Unidos para renovar os documentos, seguir com a oficina de reciclagem, que mantém com duas sobrinhas, e concluir um livro. A publicação faz parte de um projeto de dissertação de mestrado. “A ideia é pegar as flores que só dão no cerrado e produzir o livro, mostrando as diferenças”, explica.
Fonte: Correio Brasiliense
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